Pré-protestantismo, Uma História Desconhecida Pela Igreja


A necessidade de uma reforma completa dentro da Igreja Católica, no início da Idade Moderna, tornava-se cada vez mais viva e era dita por muitos pensadores como um remédio urgente para o catolicismo. Todavia, esta idéia já era proclamada desde o século XIV, pelos chamados pré-reformadores, igualmente perseguidos por uma tirania religiosa, exerceram grande influência sobre seus contemporâneos, e posteriormente influenciando também aos lideres da Reforma do século XVI em diante. Tal influência agiu também sobre a Igreja Cristã como um todo, mesmo que sejam atualmente pouco conhecidos (e lembrados) no meio cristão.
Os pré-reformadores foram intelectuais que manifestaram suas insatisfações espirituais por não encontrarem na igreja romana, espaço para que pudessem exercitar sua fé. Essas insatisfações não tinham por objetivo criar uma nova igreja, mas, sim, fazer que a igreja romana voltasse à orientação da Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada.

John Tauler (1300 – 1361)
John Tauler foi um deles. E alguns consideram que ele foi protestante antes mesmo do protestantismo. Lutero, o maior expoente da Reforma, entendeu a doutrina da justificação por meio das Sagradas Escrituras, mas foram os escritos de Tauler que corroboraram para que isso fosse possível. A influência principal dos escritos de Tauler ocorreu por conta de sua sistematização empenhada nessa doutrina: a justificação.
Com Deus por perto os males não têm peso e as lágrimas não têm amargura”— John Tauler
John Wycliffe (1328 – 1384)
Foi professor na Universidade de Oxford. Fez a primeira tradução completa do Novo Testamento para o Inglês. Queria reformar a Igreja. Era contra a venda de indulgências e, nessa questão, não contou com o apoio dos reis, que o protegeram do papa em outras ocasiões. Queria abolir as ordens religiosas. Era a favor da Bíblia como autoridade, e não o papa. Não cria na transubstanciação (ou seja, a real presença de Jesus Cristo na eucaristia. A Igreja Católica acreditava na mudança da substância pão e vinho no próprio corpo e sangue de Jesus).
Era nacionalista e, para ele, o Estado tinha o direito de tomar os bens de uma igreja corrompida. Opôs-se aos dogmas da Igreja Romana com idéias revolucionárias. Atacou a autoridade papal, colocando Cristo, e não o papa, como chefe da Igreja e a Bíblia, e não a Igreja, como a única autoridade para o crente. Segundo ele, a Igreja Romana deveria estar dentro dos padrões do Novo Testamento. Atacou também os poderosos senhores da Igreja e do Estado, pois tanto o poder espiritual quanto o temporal deveriam obedecer a limites.
Para espalhar a Bíblia mais depressa, Wycliffe usou os serviços de seus amigos, como os irmãos Lollardos. Muitos desses amigos eram estudantes em Oxford. Vestidos de roupas simples, descalços, de cajado na mão e dependendo de esmolas, os amigos de Wycliffe percorreram toda a lnglaterra conduzindo seus manuscritos e pregando o evangelho!
Em 1382, suas idéias foram condenadas em Londres. Então, foi obrigado a retornar para seu pastorado em Lutterwoth, cuja Paróquia lhe fora concedida pela coroa em reconhecimento pelos serviços que ele prestou.
Wycliffe morreu em 1384, devido a uma embolia. Por estar em comunhão com a Igreja, foi enterrado em terra consagrada. Mas, anos depois, foi condenado como herege pelo Concílio de Constança, sendo seus restos mortais exumados e queimados.
John Huss (1373-1415)
Reformador tcheco foi reitor na Universidade de Praga, na Boêmia (parte da Tchecoslováquia). Pregou a Bíblia como única autoridade sobre o crente. Suas pregações reformistas foram influenciadas pelos ensinos de Wycliffe. Suas idéias foram consideradas heréticas, obrigando-o a comparecer ao Concílio de Constança.
O movimento reformista na Boêmia (que por questões de herança era ligada ao império alemão), iniciado por Huss, era apoiado pelos reis para limitar o poder da hierarquia eclesiástica associado a um desejo sincero de reforma que intentava corrigir os abusos da Igreja. Com o movimento, Huss pôde dar impulso à Reforma que pregava de púlpito. Na Capela de Belém (na Boêmia) deu continuidade a seu movimento. Como apoiava as idéias de Wycliffe, foi proibido de pregar pelo papa, mas desobedeceu e permaneceu.
Foi convocado pelo papa para comparecer a Roma. Recusou-se e foi excomungado. Mas como contava com o apoio dos reis e de quase toda a Boêmia, continuou pregando. Opôs-se às indulgências, pois pregava que ninguém podia vender uma coisa que vem unicamente de Deus. Por ser considerado um herege, deixou Praga e refugiou-se no Sul da Boêmia, onde continuou seu trabalho e escrevendo obras. Foi chamado a comparecer ao Concílio de Constança para defender-se pessoalmente. Para garantir sua segurança, contou com um salvo-conduto do imperador Sigismundo. Mas isso não impediu ao Papa João XXI de tratá-lo como um prisioneiro. Foi levado à assembléia acorrentado. Mesmo possuindo um certificado do inquisidor da Boêmia, declarando sua inocência, foi acusado de herege.
Caso se retratasse no Concílio, estaria confessando ser um herege e condenando seus seguidores. Então, não o fez. Com isso, foi preso e levado à fogueira usando uma coroa de papel decorada com diabinhos e, no caminho, teve de ver seus livros sendo queimados.
Antes de ser queimado, Huss disse as seguintes palavras ao carrasco: “Vocês hoje estão queimando um ganso (Huss significa “ganso” na língua boêmia), mas dentro de um século, encontrar-se-ão com um cisne. E este cisne vocês não poderão queimar.” Costuma-se identificar Martinho Lutero com esta profecia (que 102 anos depois pregou suas 95 teses em Wittenberg), e identificando-o com o cisne.
Em sua última oração, disse: “Senhor Jesus, por ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-­te misericórdia por meus inimigos”. Huss morreu entoando salmos.
Jerônimo Savonarola (1452-1498)
Nascido em Florença, Itália, pregava como um dos profetas hebreus, para vastas multidões que enchiam sua catedral. Seus sermões eram contra a sensualidade e o pecado da cidade e os vícios do papa. A cidade penitenciou-se e se reformou, mas o Papa Alexandre VI procurou, de todos os modos, silenciar o virtuoso pregador (tentou até suborná-lo com o chapéu cardinalício), mas em vão.
Foi enforcado e queimado na grande praça de Florença. Isso aconteceu dezenove anos antes das 95 teses de Lutero.
Quem tem dinheiro entra, e pode fazer tudo o que quer, mas quem não tem di­nheiro, mas deseja o bem, é desconsiderado e expulso.”
William Tyndale (1494-1536)
Tyndale graduou-se na Universidade de Oxford em 1515, onde estudou as Escrituras no hebraico e no grego. Aos trinta anos, fez uma promessa que haveria de traduzir a Bíblia para o inglês para que todo o povo, desde o camponês até a corte real, pudesse ler e compreender as Escrituras em sua própria língua. Isso porque a Igreja Católica proibia severamente qualquer pessoa leiga de ler a Bíblia. Segundo o clero, o povo simples não podia compreender as Sagradas Letras, por isso precisava de sua ajuda. A interpretação era feita segundo a sua conveniência, e para fins políticos e financeiros.
Com esse desejo em seu coração, Tyndale partiu para Londres em 1523, buscando um lugar que pudesse dar início ao seu projeto. Não sendo recebido pelo bispo de Londres, um comerciante de tecidos, chamado Humphrey Munmouth, lhe deu todo apoio necessário. Em 1524, Tyndale foi obrigado a deixar a Inglaterra e partir para a Alemanha para dar continuidade ao seu trabalho. Essa mudança deveu-se às grandes perseguições que sofrera por parte da Igreja Católica.
A proibição da leitura da Bíblia agravou-se de tal maneira que se uma criança recitasse a oração do “Pai Nosso” em inglês toda a sua família era condenada a ser queimada. Na Alemanha, ele se estabeleceu na cidade de Hamburgo e, provavelmente, conheceu Martinho Lutero, pois eram contemporâneos. Ambos traduziram o Novo Testamento baseado no Manuscrito Grego, compilado por Erasmo, em 1516.
William Tyndale concluiu a tradução do Novo Testamento em 1525. Quinze mil cópias em seis edições foram impressas pela proteção de Thomas Cromwell, vice-regente do rei Henrique VIII, e contrabandeadas por comerciantes para a 1nglaterra entre 1525 e 1530.
As autoridades da Igreja Romana deram ordem para confiscar e queimar todas as cópias da tradução de Tyndale, porém eles não podiam parar o fluxo da entrada de Bíblias vindas da Alemanha para a Inglaterra. Até mesmo na Escócia, mercadores escoceses estavam levando a Bíblia para o seu povo. O próprio William não podia regressar, à Inglaterra, pois estava sendo procurado e tido como fora-da-lei. A leitura de seus escritos e tradução do Novo Testamento haviam sido legalmente proibidas. Contudo, ele continuou suas revisões e correções até que sua edição final do Novo Testamento foi cumprida em 1535. Com esta conclusão, Tyndale iniciou a tradução do Velho Testamento, porém não viveu bastante a ponto de terminá-la.
Tyndale traduziu o Pentateuco, Jonas e alguns livros históricos. Em maio de 1535, foi preso e levado a um castelo perto de Bruxelas, onde ficou aprisionado por mais de um ano. Durante esse tempo, um de seus companheiros, Miles Coverdale, concluiu a tradução do Velho Testamento, baseada no trabalho de seu companheiro.
Chegou, porém, o dia do julgamento de Williarn Tyndale e ele foi condenado à morte por haver colocado as Escrituras na mão do povo inglês. No dia 6 de outubro de 1536, foi estrangulado e, em seguida, queimado na estaca publicamente.
Suas últimas palavras antes de morrer foram: “Senhor, abre os olhos do rei da Inglaterra”.
***
Publicado no Semente da Renovação divulgado em O Proponente.

Comentários

  1. Muito bom e oportuno o texto.

    Agora, cá entre nós, acho que até a história do protestantismo foi esquecida pelos "evangélicos" de hoje, e a imensa maioria pensa que o cristianismo começou com o "chamado", o "Deus falou ao meu coração..." ou a "visão" que o "pastor" teve de fundar a igreja deles.

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